A liberdade progressiva e o domínio sobre a própria mente estão perfeitamente dentro das possibilidades de todo aquele que tenha a fé e a vontade de empreender esta conquista. As possibilidades do ser mental não são limitadas; pode ser a livre testemunha e o Senhor em sua própria casa.
O primeiro passo é ter uma mente sossegada. O silêncio é um passo interior, porém, se faz necessário obter previamente o sossego. E por mente sossegada entendo uma consciência mental interior que vê os pensamentos acercar-se dela e mover-se em torno, porém, não se sente a si mesma pensando, nem se identifica com os pensamentos, nem os considera sujos.
Os pensamentos e os movimentos mentais podem passar através desta consciência mental interior tal como os caminhantes aparecem procedentes de qualquer parte e passam através de uma campina silenciosa; a mente sossegada os observa e nem sequer se incomoda de observá-los, porém, em nenhum caso participa na ação ou perde sua tranqüilidade.
O silêncio é mais que o sossego. Pode obter-se desterrando completamente os pensamentos da mente interior, mantendo-os mudos e completamente a parte. No entanto, se estabelece com maior facilidade por uma descida procedente do alto; quando sucede assim, se percebe como desce o silencio, como penetra e ocupa e rodeia a consciência pessoal, que tende então a submergir-se neste vasto silencio impessoal.
As palavras “paz, calma, sossego, silêncio”, têm cada uma delas sua própria matiz significativa, porém, não é fácil defini-lo exatamente.
O “sossego” é um estado no qual não há inquietude nem perturbação.
A “calma” é um estado de sossego inquebrantável que nenhum barulho ou inquietude podem alterar, é um estado menos negativo que o sossego.
A “paz” é um estado ainda mais positivo que comporta uma estabilidade e harmonia e um sentido de liberação e de repouso.
O “silêncio” é um estado no qual não há movimentos mentais ou vitais de nenhum gênero, e no qual existe uma profunda imobilidade que nenhum movimento na superfície pode penetrar ou alterar.
Não é possível construir os fundamentos de yoga se a mente está agitada. O primeiro que se requer é sossego mental. Ademais, a dissolução da consciência pessoal não é o objetivo primordial da yoga; seu propósito fundamental é abrir esta consciência a uma consciência espiritual superior, e para isso também é de primeira necessidade ter uma mente sossegada.
O primeiro que há que se fazer é estabelecer na mente uma paz e um silêncio estáveis (sadhana). Se não fazê-lo assim, será possível ter experiências, porém nada terá de caráter permanente. Somente numa mente silenciosa pode formar-se a verdadeira consciência.
Ter uma mente sossegada não significa a ausência total de pensamentos ou de movimentos mentais, mas sim, que estes permanecem na superfície e que o interior se sente o ser verdadeiro separado, observando-os sem deixar-se arrastar, capaz de vigiá-los e de julgá-los, de recusar todo aquele que tem que ser realizado, e de aceitar e de conservar todo aquele que é verdadeira consciência e experiência verdadeira.
Aspire que a Mãe te conceda este sossego e essa calma bem estabelecidos na mente e esta percepção constante do ser interior dentro de ti, separado da natureza exterior e dirigido até a Luz e a Verdade.
As forças que criam obstáculos no caminho da sadhana são forças da natureza inferior mental, vital e física. Por detrás delas se encontram os poderes adversos dos mundos mental, vital e físico sutil. Tão somente a partir do momento em que a mente e o coração tenham logrado adotar uma orientação unidirecional e se tenham concentrado numa aspiração exclusiva para o Divino se poderá conseguir lutar com êxito contra estes poderes adversos.
O silêncio é sempre uma boa coisa; porém, ao dizer sossego mental não me refiro a um silêncio completo. Quero dizer uma mente livre de desordem e inquietude, firme, ligeira e contente, para que possa se abrir para a Força que tem que mudar sua natureza. O importante é livrar-se da invasão habitual dos pensamentos perturbadores, dos sentimentos falsos, da confusão de idéias e dos movimentos nocivos. Tudo isso altera a natureza e a obscurece e cria obstáculos para a ação da Força; quando a mente está sossegada e em paz, a Força pode trabalhar mais facilmente. É necessário que se possam ver as coisas que temos que modificar sem experimentar nenhum transtorno nem depressão; a mudança se efetua assim com maior facilidade.
A diferença entre uma mente vazia e uma mente calma é esta: quando a mente está vazia não há nela pensamentos, nem concepções, nem ação mental de nenhum tipo, salvo uma percepção essencial das coisas sem formação de idéias; no entanto, quando a mente tenha conseguido a calma, a mesma substância de ser mental é a que permanece tranqüila, tanto que nada a perturba. E si se produzem pensamentos ou atividades, em nenhum caso surgem da mente, senão que vêem de fora e cruzam a mente como um vôo de pássaros cruza o firmamento quando o ar está imóvel. Passam sem alterar nada, sem deixar nenhum traço. Uma mente que tenha alcançado esta calma pode começar a atuar, inclusa, intensa e poderosamente, porém conservará seu sossego fundamental, sem produzir nada de si mesma, porém dando forma mental ao que recebe do Alto sem somar nada seu, com calma e imparcialidade e, sem dúvida com o gozo da Verdade e o poder e a luz felize de sua transmissão.
Não é uma coisa indesejável para a mente desaparecer no silêncio, estar imóvel e livre de pensamentos, uma vez que, ao silenciar-se a mente é quando mais a pequeno se produz a descida completa de uma vasta paz procedente do Alto e, nesta vasta tranqüilidade, a realização do Eu silencioso que está em cima da mente estendido por todas as partes em sua imensidão. O que ocorre somente, é que, quando há paz e silêncio, mental, a mente vital trata de precipitar-se para ocupar o lugar, se bem que a mente mecânica tenta, ao mesmo tempo, com o mesmo propósito, fazer surgir sua gama de pensamentos habituais e triviais. O que se deve fazer é ter o cuidado de recusar e calar esses intrusos de modo que, ao menos, durante a meditação, a paz e o sossego da mente o do ser vital sejam completos. A melhor maneira de conseguir fazê-lo é mantendo uma vontade forte e silenciosa. Esta vontade é a vontade da alma detrás da mente; quando a mente está em paz, quando permanece em silêncio, pode perceber-se a presença da alma, também silenciosa, separada da ação da natureza.
Manter a calma, ser firme e arraigado no espírito, possuir este sossego da mente, esta separação entre a Alma interior e a energia é muito útil, quase indispensável. Porém não é possível manter a calma e estar centrado no espírito enquanto o ser está sujeito ao turbilhão de pensamentos ou dos movimentos vitais. Desapegar-se, apartar-se deles, senti-los separados de si, é indispensável.
Uma grande onda (ou um mar) de calma e a consciência constante de uma vasta luminosa Realidade, tal é precisamente o caráter da realização fundamental da Verdade suprema em seu primeiro contato com a mente e a alma. Não se pode pedir um melhor começo nem melhor fundamento; é como uma grande pedra sobre a qual se pode construir o resto. Isso significa certamente, não só uma presença, senão “a Presença”, e constituirá um grande erro debilitar a experiência por uma falta de aceitação ou por alguma dúvida sobre seu caráter. Não é necessário defini-la, nem é conveniente tratar de configurá-la numa imagem; porque esta Presença é infinita em sua natureza. Tudo aquilo que tenha que manifestar ou exteriorizar de si mesma, o fará inevitavelmente por seu próprio poder, si existe uma aceitação sustentada.
Em verdade, sem duvida alguma, que é uma graça enviada, e a única maneira de responder a uma graça tal é aceitá-la com gratidão e, mantendo-se aberto, permitir ao Poder que tenha tocado a consciência desenvolver o ser no que tenha que ser desenvolvido. A transformação total da natureza não pode fazer-se num momento; requer necessariamente muito tempo e se produz por etapas; a experiência atual é somente o inicio, um fundamento para a nova consciência na qual será possível a transformação. A espontaneidade automática da experiência deve demonstrar por si mesma que não tem nada que ver com uma construção da mente, da vontade ou das emoções; que procede de uma Verdade que está mais além dessas coisas.
Recusar as dúvidas implica, com toda certeza, haver alcançado o controle de nossos próprios pensamentos. Porém, o fato de controlar nossos pensamentos é tão necessário, na yoga e fora da yoga, como o domínio de nossas paixões e de nossos desejos vitais e o controle dos movimentos de nosso corpo. Não é possível sequer alcançar o nível de um ser mental plenamente desenvolvido se não se é capaz de dominar os próprios pensamentos, se não se é sua própria testemunha, seu juiz e seu amo, da alma mental.
Não é menos inconveniente ao ser mental do que ser como uma bola de tênis submetida ao impacto dos pensamentos desordenados e incontroláveis, que ser como um barco a deriva em meio a tempestade das paixões e dos desejos, ou um escravo da inércia ou dos impulsos do corpo. Já sei que controlar os pensamentos é mais difícil, porque o homem, por ser primordialmente uma criatura de energia mental, se identifica a si mesmo com seus movimentos de sua mente e não pode, de repente, dissociar-se e permanecer a margem e livre dos redemoinhos e turbulências da torrente mental. É relativamente fácil para ele exercer um controle sobre seu corpo, ao menos sobre uma certa parte de seus movimentos. É-lhe menos fácil, porém, ainda que perfeitamente possível por meio duma luta efetiva, estabelecer um domínio mental sobre seus impulsos e desejos vitais; porém, sentar-se em cima do torvelinho de seus pensamentos, como o Iogue Tântrico sobre o rio, é menos fácil. Não obstante, também é possível. Todos são homens mentalmente desenvolvidos, aqueles que sobre passam ao término médio, de algum modo, ou a menos num determinado tempo e para certo propósito, tenham tido que separar as duas partes da mente, a parte ativa que é uma fábrica de pensamentos e a parte sossegada e soberana que é uma Testemunha e uma Voluntária, observando os pensamentos julgando-os, recusando-os, eliminando-os e aceitando-os, ordenando correções e mudanças.
O Iogue vai ainda mais longe. Não somente é o senhor de si, como permanecendo de alguma maneira na mente, consegue escapar da mesma sem por assim dizer, e se situa por cima e completamente por trás. Para ele a imagem da fábrica de pensamentos já não é completamente válida; posto que vê como os pensamentos nos vêem de fora da Mente universal ou da Natureza universal, às vezes formados e distintos, às vezes informes e embrionários, em cujo caso recebem forma em alguma parte dentro de nós. A tarefa principal de nossa mente consiste em responder, favoravelmente com aceitação, ou negativamente com repulsa, a essas ondas de pensamentos, ou em dar forma mental pessoal a substância dos pensamentos procedentes da Natureza-Força circundante.
Sri Aurobindo
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