A construção de um navio parece com a formação das
pessoas.
Durante a gestação o casco é construído, até que somos
lançados ao mar.
A maior parte de um navio é colocada depois, como
acontece com a gente.
Camarotes, porões, motores, pinturas, enfeites são
acrescentados
durante a infância e adolescência, até o navio ficar
pronto para a primeira viagem.
Um navio fica pronto quando sai do estaleiro, mas com a
gente é diferente
- e este é o desafio de cada um, pois crescemos todo dia
e nunca ficamos prontos.
Apesar disso é preciso partir....
Mas nem todos têm a coragem de ir e continuam atracados
ao cais,
julgando-se incapazes de navegar sozinhos.
Algumas pessoas são obrigadas a zarpar, já que os
encargos de segurança
do porto tornam-se pesados demais e, às vezes,
perdem um tempo precioso da viagem revoltadas e
lamentando-se por tudo isso....
mas nem todo mundo é assim....
Alguns mal o dia amanhece, já partiram.
Parecem muito ocupados e logo somem no horizonte.
Desde cedo sabem o que querem e têm pressa de viver.
Outros navios também saem logo que podem,
mas ficam dando voltas e mais voltas sem chegar a lugar
algum.
Acabam navegando
só para comprar mais combustível todo dia,
e o que ganham mal dá para a reforma do casco...
Os maiores desperdiçadores de seus próprios recursos são
aqueles que não sabem o que querem...
e o pior é que, quando a gente não sabe direito o que
espera do rumo que está tomando ou nem se tem um rumo,
não pode corrigir a rota se estiver no caminho errado...
nós somos os maiores
responsáveis pelas tempestades que não conseguimos
evitar.
Já outras pessoas deixam de navegar milhares de milhas
para se conformarem com umas poucas centenas,
porque tem medo de atrair ventos contrários ou então
querem agradar ou impressionar alguém....
a gente não deve aceitar isso, pois significa concordar
em ser menos do que
pode ser. Todo dia é dia de evolução e aprendizado e,
como a lua cheia, quando paramos de crescer, começamos a
diminuir.
Então a primeira coisa a fazer é tornar-se comandante de
si próprio e isso equivale a pensar com a própria cabeça,
ser timão e timoneiro, assumindo riscos pelos erros, pois
só erram os que tem a coragem para ousar e, se caírem,
levantar e tentar de novo-sempre... pois ninguém sabe
nossa autonomia no mar,
nossa capacidade de carga, ou a que velocidade podemos
singrar as águas dos oceanos, sejam azuis ou escuras.
Ninguém nos conhece melhor que nos mesmos e, por mais que
digam o que temos - ou não temos
- que fazer, ninguém pode viver a vida no nosso lugar.
Outras pessoas, ainda, vivem frustradas e infelizes
porque não conseguem ter as mesmas coisas que viram em outro navio.
Algumas também vivem furiosas quando alguma coisa ou
alguém não age ou sai como gostariam.
O amor a si próprio e ao próximo é um exercício diário
para saber a diferença entre o que precisa ser mudado e o que devemos aceitar
como é.
Muita gente tem preferido impor suas idéias e opiniões em
vez de escutar o outro;
ficar revoltada com o mundo, em vez de admirar a vida,
pois não sabem o que é amar.
E tem viajantes que pensam no amor como algo a ser
obtido, como se fosse um objeto e não como uma arte que precisa ser aprendida.
Alguns acabam confundindo o amor, Deus ou a felicidade
com o significado de suas rotas,
e vivem frustradas navegando atrás do que não conseguem
alcançar
- e até desistem no meio do caminho, desalentados,
achando que a vida não vale a pena,
que Deus não existe e felicidade e amor são balelas...
mas Deus, felicidade, amor, bondade não são lugares ou
coisas que possam ser possuídos.
A primeira coisa a fazer para quem quer encontrar estes
bens é não procurar!
Quando procuramos o que não é um lugar ou objeto, e que
muito menos está escondido,
quem fica perdido somos nós mesmos.
Mas quando não procuramos, porque não pode ser encontrado
fora de nós,
descobrimos que o que tanto queremos
- Deus, felicidade, paz - habita camarotes no coração do
nosso próprio navio...
e tem pessoas tão preocupadas em procurar do lado de fora
que até se esquecem de olhar por dentro!...
Não existe navio que não tem passado por tempestades e
muitos afundam por não saberem evitá-las,
por falta de comunicação ou por acharem que não precisam
dos outros.
Somos fortes quando unidos.
Juntos somos tão grandes e poderosos quanto a onda mais
forte e ameaçadora.
Perdoar as falhas e limitações de nossos semelhantes é
muito mais que amor ou virtude
- é questão de inteligência e sobrevivência...
pois a única coisa que possuímos de verdade é a
necessidade do outro.
Mas não existe tempestades que durem para sempre, assim
como os dias de sol também não são permanentes.
Dor e frustrações muitas vezes são resultado de querermos
perpetuar momentos de prazer,
bem-estar, alegria, que por si só são efêmeros e com que
facilidade esquecemos que nada é eterno
- a não ser o próprio movimento - e que, por isso,
momentos de alegria se alternam com momentos de tristeza,
dor se alterna com prazer, fome com saciedade, doença com
saúde - um sempre dando lugar ao outro.
Quando a gente para de tentar lutar contra isso e se
abandona nesse jogo delicioso da vida,
descobrimos que, acima de tudo, a vida vale a pena ser
vivida intensamente.
Elza Emiko Ito Barôa