Melhor levar um grande susto do que passar a vida inteira assustado...
Rosana Braga
- Agora, eu vou às sessões de terapia só para conversar. Já estou bem... Não tenho mais nada a tratar em mim.
E eu comentei, com tal espanto que quase alterei meu tom de voz:
- O quêêêêêê?!? Como assim?!?!?
Ele faz terapia há apenas dois anos e se considera uma pessoa resolvida, sem questões internas a serem olhadas, como se nada precisasse ser revisto, melhorado, lapidado...
Acrescentei, de certa forma aliviada:
- Apesar de todo meu trabalho de autoconhecimento, ainda vejo tanto em mim a ser descoberto. Ainda me defronto com tantas limitações e tanto a aprender, a ampliar, a conquistar para me tornar uma pessoa mais integrada e mais humana, com toda a complexidade que essa condição nos impõe... E você se considera pronto e acabado depois de dois anos se olhando?!?
E ele respondeu (felizmente) num tom titubeante:
- É...
Prefiro acreditar que aquele “é” final serviu apenas para provar o quão em dúvida ele ficou acerca de um diagnóstico que definitivamente não combina com a ‘metamorfose ambulante’ que todos nós deveríamos ser, como tão inteligentemente compôs Raul Seixas.
E cá fiquei, como de costume, me fazendo vários questionamentos, especialmente sobre mim mesma e o quanto o meu próprio caminho faz sentido ou não, o quanto eu já deveria me sentir resolvida também ou não, o quanto essa minha busca que considero ser pra vida toda é mesmo imprescindível ou não. E me lembrei de uma frase que ouvi, certa vez, de uma pessoa muito sábia – Edda Meceni:
“É melhor levar um grande susto do que passar a vida inteira assustado”.
E creio que consegui compreender um pouco mais sobre a dinâmica que a maioria de nós prefere usar durante a vida. É isso: a gente prefere viver assustado, experimentando pequenos sustos diários. Um medinho de tentar um trabalho novo hoje, um medinho de investir numa relação amanhã, outro medinho de apostar num dom artístico depois de amanhã... e assim vamos levando...
Criamos pequenos impedimentos, todos os dias, para nós mesmos e nos acostumamos tanto a eles que nem os percebemos mais. Obstáculos que vão se transformando em desistências; sustinhos que se tornam quedas e machucados quase imperceptíveis, não fosse pela dorzinha latejante que insiste em causar um descompasso em nosso coração...
No mais, vai ficando também aquela sucessão de pequenos vazios causados pela angústia da não-realização... e a gente vai levando, preferindo acreditar que tá tudo resolvido dentro da gente...
Mas e aí? Cadê a profundidade, donde vem o mais verdadeiro e o mais valioso que pode existir em nós? Como chegar até lá se não nos entregarmos ao grande susto?!?
Como enxergar quem realmente somos sem aceitar a possibilidade de que algumas de nossas mais convictas verdades talvez sejam grandes mentiras, e que algumas de nossas mais convictas mentiras tenham lá seu fundo de verdade?!?
Como sair da cômoda posição de ‘assustadinhos’ e nos permitirmos, de vez em quando, um enorme susto, um desespero criativo, que muda tudo, que faz a gente recomeçar, e que nos mostra o quanto ainda temos a crescer?
Olha, nada tão monstruoso quanto pode parecer... Na verdade, basta que nos entreguemos um pouco mais, que sejamos mais flexíveis, menos endurecidos, menos cheios de certezas absolutas. Minha sugestão é que basta um pouco mais de espaço para o desconhecido e um tantinho de coragem para o grande susto que, por fim, coloca tudo em seu devido e mais perfeito lugar...
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