Procurar a felicidade eterna é
a melhor maneira de ser infeliz.
Não temos obrigação de ser
felizes nem fomos colocados no mundo para alegrar os outros.Nascemos para ser
nós mesmos - a tarefa mais difícil de todas. Nos privamos do direito à
tristeza. Ao menor sinal de sua presença, nos entupimos de antidepressivos, como
se momentos de introspecção fossem doença e o padrão normal fosse vivermos
imersos numa comédia romântica infindável. Pior: fosse essa capacidade a medida
de nosso êxito. Mas o êxito só pode ser medido pela aptidão de abraçar nossas
idiossincrasias, de lidar com o que não gostamos ou entendemos em nós - nosso
maior êxito é ter coragem de assumir quem somos e deixar de imitar condutas
incutidas e socialmente aceitáveis.
Homens choram, sim.Mulheres,
mesmo nos dias de hoje, podem ser meigas.
Estar sempre preparado para o
ataque é tarefa de guepardos, não nossa.
Alegria incessante é função de
apresentadores de TV.
Precisamos, com urgência,
relaxar e aceitar que "Um dia de chuva é tão belo quanto um dia de sol/
Ambos existem; cada um como é" (Alberto Caeiro). Só assim respiraremos
tranqüilos, sem nos sentirmos fracassados, diante de uma melancolia
corriqueira. Para parar de ter medo do bicho-papão que mora embaixo da cama, é
preciso olhar para debaixo dela: medos só perdem a força quando são firmemente
encarados.
Cerceamos a vida de maneira
letal ao exigir extrair prazer de tudo o que nos cerca: a comida deve ser
orgásmica; o cinema, brilhante; o amor, estelar. Incutimos até num pedaço de
bolo a obrigação de nos inundar de prazer. E essa busca demente da felicidade
se torna demoníaca porque traz consigo a massacrante sensação de derrota - nada
é capaz de nos suprir de alegria, por mais esforço que façamos, porque
precisamos do desalento eventual para sermos completos. Só nos contos de fadas
aparecerá o herói, a mítica figura salvadora, que decretará: "Todos serão
felizes para sempre", e a dor sumirá. Na vida real, somos completamente
responsáveis pelo que fazemos conosco, ninguém executará a tarefa por nós.
Não conseguimos - por mais que
acumulemos itens, pessoas, realizações e prêmios - sorrisos perenes e
autênticos. E nos sentimos (às vezes, vagamente; outras, arrasadoramente)
perdedores, fracos, largados. E então exigimos a felicidade. Clamamos por ela.
Nos entorpecemos tencionando atingir o êxtase perfeito. Bebemos. Comemos.
Usamos tudo o que possa alterar nosso ânimo, que ofereça uma breve promessa do
paraíso, dilua a angústia. Qualquer coisa que nos deixe felizes até o dia
seguinte, de onde recomeçaremos o ciclo, ignorando os motivos desse vazio
incômodo que clama para que vejamos a nós mesmos.
A alegria não virá dentro das
sacolas de compras, no porta-luvas do carrão novo, nas coxas durinhas da
conquista da semana: essas coisas são nossa dose diária (e até necessária) de
anestesia que adia encararmos o fato mais banal e amedrontador da vida: não
existe bálsamo milagroso para nossa solidão intrínseca, e ela faz parte de nós
tanto quanto a vontade de rir solarmente - ignorá-la é fechar a porta para tudo
o que ela pode ensinar.
Ignorá-la é enterrar metade de
você.
-Aillin Aleixo-