Além do horizonte, existem outros mundos a serem descobertos.
Lá, folhas não caem, elas flutuam.
Lá, o meio de transporte são pássaros que vem até você e com o suspiro de seu amor, neste mundo todos andam de mãos dadas lá é aonde a harmonia toma conta da natureza de todas as espécies viventes.
Lá, não colhemos flores, mas as flores colhem a gente.
Chegou o tempo de despertar e acreditar que esta vida vale apena ser vivida.
-Rhenan Carvalho-
Lá, folhas não caem, elas flutuam.
Lá, o meio de transporte são pássaros que vem até você e com o suspiro de seu amor, neste mundo todos andam de mãos dadas lá é aonde a harmonia toma conta da natureza de todas as espécies viventes.
Lá, não colhemos flores, mas as flores colhem a gente.
Chegou o tempo de despertar e acreditar que esta vida vale apena ser vivida.
-Rhenan Carvalho-
domingo, 24 de agosto de 2008
Um sonho na imensidão
Era uma vez um menino que tinha muitos brinquedos e gostava muito deles. Passava o dia inteiro armando aquele forte cheio de índios, arrumando os carrinhos de corrida, enfileirando os bonecos, armando trenzinhos, desarmando aviõezinhos. Achava muito bonito aquele tanque cheio de luzes, aquele trenzinho que apitava, aquele avião que fazia barulho igual a um jato de verdade. Mas o menino tinha uma grande tristeza em sua vida: Ele sentia uma pena enorme de seus bonecos. Tinha pena deles não poderem sentir como ele sentia, deles não poderem amar como ele amava, deles não poderem sorrir como ele sorria, deles não poderem perder seus olhos na imensidão do céu azul, demorar-se olhando aquela estrela que piscava lá longe, escutar aquela música bonita que parecia vir do Nada, entrar por seus ouvidos e tomar conta de todo o seu ser. O menino tinha muita pena de seus bonecos e tinha uma vontade enorme de fazer alguma coisa por eles, de fazer com que seus bonecos um dia fossem gente também.
Como não achava uma solução para o problema, voltava a desarmar seus aviõezinhos, a arrumar seus carrinhos de corrida, a ligar o botão do tanque para que ele piscasse suas luzes. Mas enquanto seus aviões e carrinhos corriam no seu quarto de um lado para o outro, sua pequena cabeça apenas pensava em seus amigos, seus bonecos, sentados, olhando inexpressivos, sem sentirem nada.
Um dia o menino dormiu. Dormiu e sonhou. Sonhou que se projetava na imensidão negra do espaço e que flutuava no nada, entre aqueles milhares e milhares de pontos de luz e, em sua volta, milhões e milhões de galáxias imponentes caminhavam lentamente numa espiral gigantesca. A sensação maravilhosa de habitar o espaço começou a impregnar-se em todo o seu ser e o menino flutuava entre as estrelas, vagava pelo espaço infinito. Um amor intenso oprimia-lhe docemente o peito, e crescia cada vez mais, e esvaía-se de seu coração, polvilhando o negro do espaço com uma esteira de milhares e milhares de partículas de luz. Olhou aquela pequena galáxia, maravilhado. Pontos luminosos cintilavam, ariscos. Outros, maiores, brilhavam com uma luz intensa, majestosa. Minúsculos planetas giravam em torno de seus sóis. Súbitos clarões riscavam entre as luzes e desapareciam logo depois, como pequenas estrelas fugazes brincando na imensidão. E então o menino teve vontade de habitar aquele mundo criado pela intensidade de um amor imenso. E sua consciência projetou-se naquelas estrelas e o pequeno universo palpitou, pleno de vida. O menino sorriu ao perceber que, naquele pequeno mundo criado por seu amor, também poderia haver vida. E, aos poucos, aqueles milhares de pequeninos pontos de luz foram se chegando mais perto uns dos outros e tomaram uma imensa forma oval.
O menino tornou a sorrir. Que beleza! Aproximou-se mais, e numa das pontas daquela galáxia que seu amor criara, viu, entre outros, um pequeno sistema muito bonito, uma porção de planetas girando em torno de seu sol. Aproximou-se, curioso, de um daqueles pequenos planetas. Era um lugar ainda muito árido, uma paisagem sem vegetais, somente pedras. O menino sentiu que naquele planeta talvez ainda se passassem milênios antes de haver vida animal. Foi para outro planeta. Este era muito bonito, tinha dois anéis enormes em volta de si, e possuía uma paisagem estranha, agreste, embora bela.
E assim, o menino foi percorrendo alguns dos planetas daquele sistema tão bonito, perdido no canto daquela galáxia que seu amor criara.
E então, o menino viu um pequeno planeta azul. Aproximou-se dele, e já de longe viu que ele tinha água, e verde. Animou-se. Deveria encontrar vida naquele lugar. Chegou bem perto, e desceu naquele pequeno planeta.
O menino viu, com um espanto enorme, os habitantes daquele lugar. Eram todos velhos conhecidos seus. Lá estava o tanque cheio de luzes e o aviãozinho que fazia barulho igual a um jato de verdade. E aquele forte apache, cheio de índios e soldados sempre brigando. O menino sentiu-se muito feliz. Quem sabe se agora ele poderia encontrar uma maneira de fazer com que seus amiguinhos virassem gente? Gente igual a ele, gente que pudesse sorrir, sentir, amar, viajar pelas estrelas, olhar o nascer do sol e sentir-se uma parte daquele sol. Quem sabe, talvez agora eles pudessem entender sua linguagem...
Aproximou-se de um espantalho de braços abertos e tentou falar com ele, mas o espantalho continuou impassível, parecia não vê-lo. Aproximou-se de uma bonequinha, mas ela também não o percebeu. O menino ficou muito triste. Ele não encontrava um meio de poder se comunicar com os bonecos. Como poderia ele fazer para que os bonecos compreendessem sua linguagem?
Foi então que o menino viu, sentado num cantinho, aquele soldadinho muito amigo seu, e teve uma idéia: Se ele pudesse habitar dentro do corpo do soldado e falar através de seus lábios aos outros brinquedos, quem sabe se os outros o entenderiam? E sua consciência projetou-se para o interior daquele boneco.
O menino sentiu-se um pouco preso, tolhido dentro do brinquedo, e viu como era engraçado ser boneco. Levantou-se e aproximou-se do forte. Um oficial e um índio brigavam numa luta aparentemente sem fim. Aproximou-se do índio.
- Por que vocês brigam tanto? - perguntou - Será que vocês não podem sentir amor um pelo outro? Vocês têm que aprender a pensar, a olhar para dentro de vocês mesmos e descobrir que vocês podem amar.
O índio olhou, indignado, para o soldado que lhe falava.
- Você não vê que estou lutando e não posso me distrair?
O soldado, muito triste, continuou sua caminhada. Tornou a procurar o espantalho. Desta vez, o espantalho olhou para ele. Afinal, de uma maneira ou de outra, ele estava podendo se fazer compreender. Olhou para o espantalho e disse:
- Eu gostaria de lhe ensinar a ser gente. Será que você gostaria?
O espantalho olhou-o, desconfiado.
- Para que? De que adianta ser gente?
O soldado respondeu:
- Gente ama, gente ri, gente sente, gente existe. E é tão fácil ser gente. Tente procurar o silêncio no interior de sua alma. Volte os olhos para sua mente e fique passivo. Harmonize-se com seu interior. E então, de dentro de seu silêncio, uma voz falará com você, responderá a suas perguntas e chamará você para o seio do Universo.
O espantalho coçou a cabeça e olhou para o soldado.
- Olhe, soldado, você está falando umas coisas muito bonitas, mas eu não quero saber disto, não. De que me adianta olhar para dentro de mim? O que é que eu vou encontrar lá dentro? Não vou encontrar nada! Tudo o que eu quero está do lado de fora. E você sabe o que eu quero? Quero uma porção de moedas de ouro, para poder comprar tudo, tudo no mundo. De que adianta olhar para dentro de mim? Não vou ver nada lá dentro. Dentro de mim não tem dinheiro!
O soldado suspirou. É, a coisa estava ficando mais difícil do que ele pensava... Mas tentou ainda convencer o espantalho:
- No seu interior, você não encontrará dinheiro, mas receberá um cetro e uma coroa. Porque lá você será rei. Reinará sobre você mesmo, pois é dentro de você que encontrará seus súditos mais fiéis, que, contudo, outrora governaram sobre sua fraqueza. E eles lhe darão um tesouro muito mais rico do que aquele que você pretende. Eles lhe darão a chave da Vida Universal!
O espantalho sorriu.
- Ora essa, e de que adianta reinar sobre mim mesmo? Você está me oferecendo um reinado sem glórias. Não, eu quero muito ouro, muito dinheiro! E isso eu não vou encontrar dentro de mim mesmo. Que bobagem! E agora saia, saia que eu estou muito ocupado. Tenho que continuar procurando...
O soldado continuou sua caminhada, triste, desiludido. Ele tinha tanta vontade de fazer com que aqueles bonecos virassem gente, mas parece que eles não queriam. Parece que eles preferiam sua vida escura, sem objetivo, parece que eles não queriam nem ao menos conhecer a grandeza do Universo, a maravilha que é viver uma vida universal. E o menino sentou seu corpo de soldado numa pedra à beira da estrada. A linda boneca aproximou-se dele e sentou-se a seu lado.
- Alô, soldado! Eu já ouvi dizer que você hoje acordou com umas idéias diferentes na cabeça. O espantalho me disse que você andou lhe falando de um mundo diferente, um mundo que existe dentro da gente. O índio está muito zangado com você. Disse que você atrapalhou a guerra dele. Mas que mundo é esse? Fale-me um pouco sobre ele, soldado...
O soldado suspirou.
- É... Eu gostaria de ensinar a vocês a ser gente, gostaria de ensinar como sentir, como amar, como sorrir, como ter uma consciência que pode se projetar no espaço e comungar com toda a consciência do Universo. Mas para que isto aconteça, há um caminho a ser trilhado. Eu quero ensinar isto a vocês, mas ninguém quer me ouvir...
A boneca franziu as sobrancelhas e pensou um pouco.
- Fale-me deste caminho... Eu nunca ouvi falar nisso. Explique-me como ele é...
E o soldado disse:
- É um caminho muito longo o que leva ao seu interior. Um dia, você ouvirá uma voz, e essa voz chamará dentro de você, essa voz chamará por você. Verá então que o caminho que vem trilhando, que o caminho que leva ao sol, é o mesmo que vai para o seu interior, à voz que chama em você, à voz que chama por você. Mas não espere por ninguém para prosseguir na sua jornada. Siga em frente, pois existe nela um trecho que terá que atravessar sozinha. E mesmo que esteja rodeada de amigos, na verdade estará só. Não encontrará quem lhe ajude, pois ninguém poderá fazer nada por você e, mesmo que ouçam seu chamado, não poderão lhe atender. E então, terá que descobrir o que é real dentro de você, se quiser que suas perguntas sejam respondidas. Terá que ouvir a voz de sua consciência, pois só ela lhe falará, e terá que olhar para o seu interior, pois é somente lá que encontrará a Vida Universal.
A bonequinha pensou um pouco.
- É, soldado... Você disse umas coisas muito bonitas, eu acho que entendi direito... mas é um pouco difícil fazer isso. A gente pode tentar, não custa. Mas eu nasci boneca, eu não sei o que é ser gente.
E o soldado respondeu:
- Ser gente é amar com uma intensidade tão grande que se chegue a sentir que se é o próprio Amor. Ser gente é olhar o nascer do sol no horizonte e sentir que ele é o reflexo do Sol que nasce no coração. Ser gente é não se sentir escravizado aos limites da matéria. Ser gente é olhar para o espaço infinito e sentir que seu lugar é ali, e é fechar os olhos e sentir sua consciência vagando pelo espaço, presente em cada estrela do Universo, em cada lugar de todos os mundos. Ser gente é ter vontade de que todos sejam gente também, e ao mesmo tempo, ser gente é não ter mais vontade, e ser gente é ser a própria Vontade Universal. Ser gente é se esquecer de tudo o que já se sabe, é não saber mais nada e tornar-se apenas um veículo para o Conhecimento Universal. Ser gente é não precisar mais julgar. Ser gente é não precisar mais agradecer. Ser gente é não precisar mais procurar. Ser gente é apenas existir no coração de todo o Universo!
A boneca quedou-se por instantes, pensativa, e depois disse:
- É, soldado, isso tudo é uma beleza, mas eu não sei se conseguiria jamais ser gente. Eu sinto que falta alguma coisa dentro de mim, mas eu não sei o que é; alguma coisa que me faça sentir tudo isso que você disse, que me faça existir da maneira como você falou.
E o soldado respondeu:
- Nada lhe falta, boneca. E o que existe em seu interior, eu estou tentando despertar. Tento despertar dentro de todos vocês, mas parece que ninguém entende o que eu quero...
O soldado não desistiu. Continuou por muito tempo a falar aos brinquedos. Falava de Amor, falava de um mundo no interior deles mesmos, falava de como alcançar suas consciências e de como ingressar na Consciência Universal. Alguns escutavam, um pouco interessados, mas logo depois esqueciam suas palavras e continuavam na sua vida de sempre. Outros nem ao menos paravam para escutar. E outros ainda achavam que a conversa do soldado os estava perturbando. E, um dia, o soldado parou. Parou, olhou para o céu, para o sol que brilhava e pensou:
- Acho que já fiz tudo o que tinha para fazer. Já dei o meu recado. Os que puderam ouvir, ouviram. Os que puderam entender, entenderam. E agora, depende somente deles. Eu já ensinei o caminho. Se eles quiserem, um dia poderão vir a ser gente. Eu não tenho mais nada a fazer aqui.
E o soldado sentiu uma doce paz invadir todo o seu ser. Reuniu, então, alguns brinquedos e disse:
- Chegou a hora de eu me despedir de vocês. Eu não vou embora, apenas não vou mais lhes falar disso tudo que lhes falei até agora. Vou voltar a ser como era antes. Apenas um soldado, num cantinho de um quarto de brinquedos.
Nisto, uma porção de brinquedos, índios, soldados, apareceram correndo numa cavalgada louca. Estavam furiosos.
- Lá está ele, lá está o soldado! Ele tem que ser destruído! Ele está ameaçando a paz entre os brinquedos! Ele veio nos falar de coisas estranhas, e alguns lhe deram ouvidos. A paz entre os brinquedos está ameaçada por este soldado! Ele tem que ser destruído!
Os brinquedos amigos e companheiros do soldadinho afastaram-se, assustados, ante a fúria avassaladora dos outros brinquedos, e o soldado viu-se cercado pelos brinquedos furiosos. De repente, uma lança cravou-se em seu peito e ele caiu, ferido.
O menino sentiu-se arrancado de dentro de seu corpo e, pairando no espaço, viu o pobre soldadinho caído e a bonequinha amiga cuidando de suas feridas. Em breve estaria curado, mas seria apenas um soldadinho num quarto de brinquedos.
O menino sentiu novamente sua consciência subir ao negro do Nada imenso e viu-se flutuando entre aqueles milhares e milhares de pontos de luz no Universo infinito. Subitamente, foi arrastado num turbilhão e abriu os olhos. O sonho acabara.
Sentou-se e olhou em volta, ainda tonto. Ora, afinal, aquilo não passara de um sonho. Levantou-se e dirigiu-se ao quarto de brinquedos. Tudo estava como antes. O forte apache com seus soldados e índios, a bonequinha com aquele olhar indiferente, o espantalho de braços abertos com um sorriso cravado no rosto inexpressivo.
- É... - pensou o menino - eu acho que mesmo em sonhos é impossível fazer com que os bonecos virem gente.
E percebeu, sentado num canto, o seu amigo soldado, que durante todo aquele longo sonho servira de abrigo para sua alma. Estranho... havia, no entanto, algo diferente em seu rosto. Aproximou-se e viu, com grande surpresa, escorrer pelo rosto do soldado, uma lágrima de verdade.
Márcia Villas-Bôas
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